terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Santa, santa Evita
Artigo Pessoal
Santa, santa Evita
Clóvis Barbosa
Em janeiro de 2010 fui a Buenos Aires e a Calafate, na Cordilheira dos Andes, lado argentino. Como não poderia deixar de ser, na capital portenha fui visitar o túmulo de Maria Eva Duarte, ou Eva Peron, como ficou conhecida nos seus últimos anos de vida, ou, ainda, Evita, como o povo a chamava. Também visitei outros túmulos de personalidades do mundo cultural e político da argentina, como o do General e presidente Pedro Eugénio Aramburo, este por me trazer uma lembrança da minha adolescência. Mas voltemos a Evita. O que leva o povo argentino e grande massa de turistas, ainda hoje, fazerem fila no Cemitério La Recoleta, 58 anos depois da sua morte? Que fascínio tinha aquela mulher que conquistou o coração do grande líder político Juan Domingo Peron? Que energia ela transbordava para se tornar a alma do movimento peronista e representante dos anseios e angústias do povo humilde? Por que foi tão adorada e, ao mesmo tempo, odiada por milhões de argentinos? Que carisma extraordinário tinha essa mulher que conquistou o peronismo, cujos militantes ainda hoje repetem nos comícios Evita vive!? Por que ela tinha tanto desprezo pelas oligarquias e pelos militares de alta patente?
No momento em que as mulheres ocupam um espaço bastante importante na política da América Latina, tendo o Chile vivenciado a liderança de Michelle Bachelet, presidenta de 2006 a 2009, Cristina Kirchner, que desde 2007 é presidenta da Argentina e, agora, Dilma Vana Rousseff, Presidenta do Brasil desde o dia primeiro de janeiro de 2011, a fascinante história de Evita empolga mais pela curiosidade que se tem do comportamento da mulher num mundo cujo cenário sempre foi o de hostilidade à sua participação. Evita rompeu de forma implacável esse mundo, tornando-se uma militante em favor da grande massa oprimida e uma inimiga ferrenha da elite oligárquica e corrupta da Argentina. De menina pobre, filha ilegítima, à mulher mais poderosa da Argentina. Evita Maria Duarte de Peron nasceu na cidadezinha de Los Toldos, a 280 quilômetros de Buenos Aires, em 1919. Aos 20 anos de idade tornara-se estrela da Companhia de Teatro do Ar. Aos 25 anos, após uma vida irregular, conhece oficialmente o capitão Juan Domingo Peron, com quem se casa um ano depois em cerimônia secreta. Uma transformação radical passou pela sua vida.
Dizia Aristóteles de que não há como estudar a conduta humana de maneira racional e precisa, visto que a nossa índole é dotada de uma mobilidade constrangedora. Assim, entre o mito e a verdade pesa unicamente o valor das opiniões, que podem ser tão voláteis quanto o vento. Mas, independente disso, uma coisa ninguém pode duvidar: a capacidade de liderança que ela teve junto ao povo argentino. Era comum os jornalistas perguntarem a Evita por que usava tantas jóias quando se encontrava com o povo pobre e miserável dos arredores da Argentina. Ela tinha a resposta na ponta da língua: “Eu quero ser bela. É para eles”. Eles, para ela, eram os descamisados, também chamados de cabecitas negras, gente humilde e esquecida. Nos seus contatos com o povaréu, completava: “É preciso querer, vocês tem o dever de exigir”. Ela acreditava que vendo o luxo, eles aprenderiam a exigir o luxo. Evita escreveu uma autobiografia, lançada um ano antes da sua morte, com o título "A razão da minha vida". Deixemos que ela fale: “Quando escolhi ser "Evita" sei que escolhi o caminho do meu povo. Agora, a quatro anos daquela eleição, fica fácil demonstrar que efetivamente foi assim”
E continua: "Ninguém senão o povo me chama de ‘Evita’. Somente aprenderam a me chamar assim os ‘descamisados’” (...) “E, coisa estranha, se os homens do governo, os dirigentes, os políticos, os embaixadores, os que me chamam de "Senhora" me chamassem de 'Evita' eu acharia talvez tão estranho e fora de lugar como que se um garoto, um operário ou uma pessoa humilde do povo me chamasse de ‘Senhora’". (...) “Agora se me perguntassem o que é que eu prefiro, minha resposta não demoraria em sair de mim: gosto mais do meu nome de povo. Quando um garoto me chama de 'Evita' me sinto mãe de todos os garotos e de todos os fracos e humildes da minha terra. Quando um operário me chama de 'Evita' me sinto com orgulho ‘companheira’ de todos os homens”. (...) “Eu descobri um sentimento fundamental em meu coração, que governa completamente o meu espírito e a minha vida. Este sentimento é a minha indignação quando confronto-me com a injustiça”. (...) "Um dia ouvi pela primeira vez dos lábios de um trabalhador, que havia pobres porque os ricos são tão ricos; e esta revelação causou uma forte impressão em mim.
Um pintor pode falar porque ele vê e sente as cores? Um poeta pode explicar porque é poeta? Talvez seja por isso que eu nunca pude dizer porque sinto-me ultrajada pela injustiça; e porque nunca fui capaz de aceitar a injustiça como uma coisa natural, como a maioria dos homens aceitam". Está explicada a sentença de Goethe: Quando uma mulher toma a si alguns dos atributos masculinos, deve triunfar, porque se ela intensifica suas outras vantagens através de um acréscimo de energia, o resultado é uma mulher tão perfeita quanto se possa imaginar. E foi assim a curta passagem de Evita pela terra. Teve uma vida intensa durante 8 anos, de 1944 (quando conheceu o caudilho) a 1952, ano da sua morte aos 33 anos de idade. O cortejo fúnebre foi apoteótico, hollywoodiano. Em 1955, um golpe militar derruba o governo peronista. Por ordem do general-presidente Pedro Eugénio Aramburo, o cadáver de Evita é seqüestrado do Cemitério La Recoleta, ficando desaparecido até 1971, quando foi devolvido a Peron, então residindo em Madri. Em 1978, o seu corpo voltou a repousar no La Recoleta. A propósito, o tumulo de Aramburo está tomado por mato e lixo, totalmente abandonado.
É o que dar perder o bonde da história. Conhecer, como ficamos conhecendo a história dessa magnífica mulher, penso que foram os deuses, liderados por Hefesto (deus do fogo, dos metais e da metalurgia) e Atena (deusa da guerra, da civilização e da sabedoria, da arte, da justiça e da habilidade), auxiliados por outros deuses e sob as ordens de Zeus, que a criara, como o fez com Pandora. Ela, também, recebeu de um a graça, de outro a beleza, de outros a persuasão, a inteligência, a paciência, a meiguice, a irresignação, a ternura e a habilidade. Mas há uma diferença. Não, o deus Hermes não pôs no seu coração a traição e a mentira, nem tampouco Evita abriu a caixa. Ela permaneceu hermeticamente fechada com todos os bens e virtudes colocadas pelos deuses. É por isso, que ainda hoje, ela é cantada e decantada pelo povo argentino, como uma santa, apesar de tudo e, talvez, da mais sangrenta e odienta perseguição que sofreu, mesmo depos de falecida, dos militares argentinos que sucederam Juan Domingo Peron. Eles não mediram esforços em denegrir a sua imagem perante o mundo. Não adiantou. A Argentina nunca mais foi a mesma.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário